terça-feira, 1 de novembro de 2011

As praxes

Um texto escrito por um estudante da UP. Para reflectir.

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SOBRE A TRADIÇÃO ACADÉMICA
Carta Aberta ao Magnífico Reitor da Universidade do Porto.


Caro Professor José Marques dos Santos,

Escrevo-lhe na condição de estudante de uma das mais pequenas Unidades Orgânicas da Universidade que administra, com menos relevância politica e de decisão no plano dos órgãos da reitoria do que a que eu gostaria que tivesse, mas com a visibilidade internacional que toda a nossa Universidade merece.
Na Faculdade de Arquitectura da Universidade a prática praxista é uma excepção. Apesar do alarmante crescimento nos últimos anos, continua a não ser livre de vexame público quem atenta contra o bem estar de um colega mais novo. Na Universidade, a praxe é uma prática corrente e publicamente aceite.

Não creio que seja relevante nem oportuno apresentar a V. Ex. argumentos que me levam a abominar hábitos que a civilização foi capaz de abolir num processo a que a História e a Ciência chamam evolução da espécie. Estou profundamente convencido que, por conhecimento aprofundado da matéria, o Magnífico Reitor conhece de perto as inaceitáveis práticas de um conjunto majoritário de estudantes.

O sistema que conduz à aceitação quase universal das práticas praxistas é complexo; parte, em primeiro lugar, do princípio da reciprocidade e, em segundo, do ilícito entrosamento nas estruturas democráticas de representação dos estudantes, como são as Associações de Estudantes ou a sua Federação.
O sistema da reciprocidade explica-se pelo facto de qualquer estudante com mais do que uma matrícula querer fazer aos mais jovens aquilo que lhe fizeram; é um estabelecimento hierárquico informal mas com uma explosiva transmissão de poder que, na sua essência, não passa da submissão dos mais inexperientes aos mais experientes e da exposição à desonra, ou à incapacidade de construção de um discurso critico e autónomo. Estou certo que quem o faz, fá-lo na consciência da auto-reprovação, mas fá-lo evitando qualquer explicação que ultrapasse o ‘’fizeram-me igual’’.

O entrosamento nas estruturas democráticas é paralelo à usurpação dos símbolos e da identidade académica. Estou certo que estamos de acordo quanto à ilegitimidade da associação do traje académico (que é na sua origem sinónimo de igualdade) às práticas que sublinham a desigualdade entre os mais jovens e os mais velhos. Todos estudantes.
No entanto, reside nesse entrosamento a minha essencial preocupação. O boicote de parte significativa das Associações de Estudantes ao dia do Centenário da Universidade, que por iniciativa de V. Ex. foi comemorado, entre outras formas, numa Sessão Solene no Salão Nobre da Reitoria foi, quanto a mim, revelador da desorientação e falta de cumprimento de parte do movimento associativo. Não consigo aceitar nem compreender como é que sete Associações de Estudantes, universalmente sufragadas em cada instituição, com funções legalmente dispostas de representação dos estudantes, faltaram às comemorações do centenário da Universidade seguindo, como é público, as orientações de um líder da praxe. Chamam a isto tradição académica, eu não consigo compreender. Esta iniciativa conjunta, carregada de significado politico, é a mais evidente prova de desrespeito institucional pela existência centenária da Universidade e de tudo o que constrói a instituição – os seus órgãos, os seus estudantes, professores, investigadores, funcionários, os seus antigos estudantes...

Parece pleonástico, mas um líder dos estudantes tem que ser um estudante, que viva os problemas e dramas dos seus pares e que observe com experiência própria as idiossincrasias da vida académica; não pode ser um estudante que prescreveu, nem uma pessoa que constrói e defende um sistema que conduz à submissão universal a si próprio. Essa forma de governo dá-se por totalitarismo e foi eliminada das sociedades desenvolvidas, como eu creio que a sociedade portuguesa é. No entanto, na Universidade do Porto e por alguns dos seus estudantes, em plena liberdade, vai-se brincando às ditaduras e aos totalitarismos, sem plena consciência do que significa isso e de quais foram as consequências nefastas para quem lutou pela liberdade que lhes confere hoje o direito de rebolar na lama e de, de forma autoritária, ordenarem que outros os façam.

Por parte das estruturas democráticas dos estudantes não poderia haver submissão a uma organização com uma forma secreta e muito pouco transparente de governo; ao estabelecimento social de vícios, más práticas e condução de influências e poder que é a praxe. Como é do conhecimento público, a própria Federação Académica do Porto contraiu despesas irregulares e que atentaram contra a sua própria organização de forma a satisfazer caprichos da praxe depois de exigências dos seus líderes.

Não escrevo a V. Ex. na expectativa de que se produzam mais alterações particulares em documentos como o Regulamento Disciplinar, de forma a punir as práticas que reprovamos dentro do espaço da Universidade. Encontro somente nesta missiva uma oportunidade de expressar a minha total disponibilidade para combater este sistema de desorganização da Universidade do Porto e que contra ela atenta todos os dias; é também, somente, forma de pedir ao Magnífico Reitor todo o empenhamento na rejeição destas práticas, com os poderes de que dispõe e com as iniciativas que entenda mais convenientes e profícuas. Faço, assim, um voto de confiança na energia que tem depositado nesta esta causa, que é, agora e cada vez mais social do que académica.

Saudações Académicas,

Pedro Bragança
070201084 "